Rodovias entram no radar dos chineses

12/01/2016 - Valor Econômico

Depois da ofensiva no setor energético, com a compra de usinas hidrelétricas e a entrada no pré-sal, os chineses se preparam para estrear na área de rodovias. Eles estão em negociações adiantadas para adquirir a BR-153, no trecho entre Anápolis (GO) e Palmas (TO), concedido à Galvão Engenharia e que jamais teve iniciadas as obras de duplicação.

Um desfecho do negócio pode ocorrer em 90 dias. Esse foi o prazo dado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para obter uma solução para as obras na rodovia. Em recuperação judicial e envolvida na Operação Lava-Jato, a Galvão arrematou a concessão da BR-153 e assinou contrato em setembro de 2014, mas praticamente abandonou os canteiros no trecho privatizado.

A agência deu um ultimato à empreiteira, que terá que escolher entre a conclusão da primeira fase das obras e a venda do controle da concessão. A ANTT já emitiu um parecer, alertando para o risco elevado de insolvência da concessionária, sem caixa suficiente para arcar com suas obrigações contratuais. Uma reunião entre a Galvão, a agência e os investidores chineses estava prevista para a semana passada, mas foi cancelada. O contrato prevê investimentos de R$ 2,7 bilhões nos cinco primeiros anos - período em que a rodovia deverá ser totalmente duplicada.

De acordo com fontes do governo e da iniciativa privada, os chineses também planejam entrar na disputa pela Rodovia do Frango, corredor logístico que atravessa uma região produtora de carnes no Paraná e em Santa Catarina. Esse trecho deveria ter sido leiloado no ano passado, mas esbarrou em questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU) e provavelmente será licitado no primeiro semestre.

O olhar mais atento de Pequim para as rodovias ocorre em função do atraso nos leilões de ferrovias. A estatal CRCC, sigla da China Railway Construction Company, firmou parceria com a Camargo Corrêa para disputar a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico). O projeto liga os municípios de Campinorte (GO) e Lucas do Rio Verde (MT).

Sem perspectivas concretas de avanço na Fico, que nunca foi colocada em leilão, os chineses aproveitaram uma reunião recente com autoridades brasileiras para deixar claro que escolheram um novo alvo para entrar no segmento: a ferrovia Rio-Vitória.

Trata-se de um traçado de 577 quilômetros, orçado em mais de R$ 7 bilhões, conectando terminais portuários nas imediações das duas capitais. A China, no entanto, demonstrou preferência pelo modelo em que a estatal Valec adquire integralmente a futura capacidade de transporte da ferrovia e revende esse direito no mercado. Na prática, isso garante demanda aos investidores. Diante da resistência do mercado, o governo havia desistido desse modelo, mas nunca revogou os atos legais que o sustentavam.

Desde que a presidente Dilma Rousseff se reuniu, em maio do ano passado, com o primeiro-ministro chinês, Li Kiqiang, vários investimentos importantes foram anunciados pelos asiáticos. Em novembro, o grupo NHA oficializou a aquisição de 23,7% da companhia aérea Azul, em uma transação de R$ 1,7 bilhão.

Na mesma semana, a estatal China Three Gorges (CTG) protagonizou o leilão de hidrelétricas, ao arrematar as usinas de Jupiá e Ilha Solteira, ambas no Estado de São Paulo, por R$ 13,8 bilhões. Antes, a mesma empresa havia adquirido o controle das hidrelétricas de Salto (GO) e Garibaldi (SC), negócios que movimentaram cerca de R$ 1,75 bilhão.

Além da aquisição de ativos, a China tem demonstrado apetite pela área financeira. Em 2014, os empréstimos chineses para a América Latina somaram US$ 22,1 bilhões, cifra superior à desembolsada por fontes "tradicionais", como Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Para o Brasil, foram destinados US$ 8,6 bilhões naquele ano, segundo o centro de estudos Diálogo Interamericano, de Washington.

Entre as operações mais relevantes está a captação de US$ 7 bilhões pela Petrobras, que enfrenta dificuldade para acessar os demais mercados internacionais desde que perdeu o grau de investimento pela Moody's, no início de 2015. Uma parte da operação veio do Banco de Desenvolvimento da China (BDC), enquanto o restante ficou a cargo do Industrial and Commercial Bank of China Leasing (ICBC).

Embora a Petrobras não tenha divulgado os termos do acordo, a aproximação com a China resultou em aumento das exportações de petróleo do Brasil para o país asiático. Os desembarques do produto somaram US$ 4,1 bilhões em 2015, alta de 20% em relação ao exercício anterior. Com isso, os chineses desbancaram os Estados Unidos como principal destino do petróleo brasileiro.

Além da estatal, grupos privados também firmaram protocolos de entendimento para operações de crédito com bancos chineses, como a operadora de telefonia Oi (US$ 1,2 bilhão, com o BDC) e a Vale (US$ 3 bilhões, com o ICBC).

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), Lívio Ribeiro recomenda cautela com esses empréstimos. "Parece ótimo pedir dinheiro para a China, mas é importante saber qual é o retorno esperado, qual a contrapartida", diz. Os investidores do país só vão se interessar por obras em que a taxa de retorno seja alta - e aí o potencial de atração de qualquer investidor é alto -, ou na qual tenham alguma contrapartida, seja com uso de fornecedores chineses ou venda de produtos, completa.

Ribeiro lembra que os financiamentos concedidos para a Argentina, por exemplo, estavam atrelados a algumas condições pré-estabelecidas, como a aquisição de produtos chineses.

Acordos têm avanço lento, mas fundo pode sair do papel

Os acordos firmados há oito meses pela presidente Dilma Rousseff e pelo primeiro-ministro da China, Li Keqiang, estão ganhando forma lentamente e podem render seus primeiros frutos nos próximos meses. Um dos pontos de maior avanço é o fundo bilateral para desenvolvimento da capacidade produtiva.

Voltado a projetos industriais e de infraestrutura, ele já teve uma empresa criada em Pequim para geri-lo - o Claifund (China Latin American Industrial Cooperation Investment Fund). Os chineses enviaram a Brasília uma minuta de constituição do fundo e se comprometeram a retirar US$ 15 bilhões de suas reservas internacionais para capitalizá-lo. Eles sugeriram usar o Banco do Brasil como parceiro. Um dos desafios é encontrar uma solução para o risco cambial envolvido nos financiamentos concedidos no país.

O governo brasileiro havia se comprometido a fazer um aporte de US$ 5 bilhões. Diante das restrições orçamentárias, uma das possibilidades cogitadas é recorrer ao dinheiro devolvido aos bancos públicos como regularização das "pedaladas" fiscais, mas o aporte não precisa ser desembolsado de uma única vez.

Nas conversas com as autoridades brasileiras, ficou claro que o objetivo dos chineses é buscar retorno ao capital investido, e não vincular seus empréstimos ao fornecimento de equipamentos. Ou seja, uma ferrovia não precisaria ter locomotivas ou trilhos provenientes da Ásia, nem uma usina hidrelétrica ter turbinas "made in China" para contar com recursos do novo fundo.

"Eles têm demonstrado muito interesse nas tratativas e nos garantiram ter reservado recursos para o fundo", diz Claudio Puty, ex-secretário de Assuntos Internacionais no Ministério do Planejamento, que chefiou uma missão negociadora a Pequim em outubro. "Nos parece uma oportunidade única e que não deve ser desperdiçada", afirma Puty, atual secretário-executivo do Ministério do Trabalho e Previdência Social.

Os dois países começam a pensar em projetos potenciais para receber financiamento. Um dos candidatos potenciais é a segunda linha de transmissão que escoará a energia produzida pela hidrelétrica de Belo Monte, cuja concessão foi arrematada pela chinesa State Grid no ano passado, com investimentos previstos de R$ 7 bilhões até 2019.

A ferrovia Bioceânica, megaprojeto que pretende ligar Brasil e Peru pelos trilhos, vem tendo seus estudos tocados por um grupo de engenheiros chineses instalados em Brasília. Eles já fizeram diversas viagens, inclusive sobrevoos, às alternativas de traçado do empreendimento. Uma das hipóteses aventadas agora é que o ponto final da ferrovia seja o Porto Sul da Bahia, em Ilhéus, que também pode receber investidores chineses para sua construção.

Os estudos de viabilidade devem ser concluídos no fim do primeiro semestre e contemplam três opções de saída no Pacífico: os portos de Bayóvar (norte do Peru), Callao (centro) e Ilo (ao sul). No Brasil, duas alternativas de saída eram estudadas: Assis Brasil e Cruzeiro do Sul, no Acre. A primeira esbarra em dificuldades topográficas do lado peruano; a segunda é complicada do ponto de vista ambiental e cruza terras indígenas.

Já as conversas entre Caixa Econômica Federal e ICBC para constituição de um fundo de US$ 50 bilhões estão mais lentas e há dúvidas do lado brasileiro sobre a disposição do banco chinês em realmente tirá-lo do papel.

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