Moradores de área nobre temem 'mistura de classes' com prédio popular

07/06/2015 - Folha de SP

Moradia popular é que nem feira livre: a maioria dos paulistanos acha importante que exista, mas ninguém quer uma na porta de casa.

A definição, usada por Adaucto Durigan, ex-subprefeito da Lapa (zona oeste) e atual coordenador do Fórum Social da Vila Leopoldina, ilustra a batalha travada neste e em outros bairros de São Paulo desde que foi enviada à Câmara, na semana passada, a proposta da gestão Fernando Haddad (PT) de revisão da lei de zoneamento.

A lei é complementar ao Plano Diretor, aprovado no ano passado, e determina o que pode ser construído em cada território da cidade e quais usos são ali permitidos.

Na Vila Leopoldina, bairro em franca ascensão social, apelidado por alguns moradores de "nova Moema", a prefeitura demarcou como Zeis (zonas de interesse social) um terreno de mais de 30 mil metros quadrados que fica no meio de dois condomínios de luxo, com apartamentos de até R$ 3 milhões.

Para Telma Prats, 55, analista de marketing que mora no bairro, a notícia da chegada da moradia popular caiu como uma bomba.

"Achei que ali seria construído um shopping!", diz. "Colocar moradia popular vai facilitar a entrada de criminosos. A mistura [de classes] aumenta a inveja."

O empresário Ricardo Yai, 35, também teme que as novas moradias desvalorizem a região e comprometam a segurança. "Não quero desmerecer este tipo de habitação, mas ela costuma trazer um entorno de moradores de rua e de usuários de drogas. O risco é que ocorra isso aqui."

"Moradia popular não traz nenhum benefício para quem já mora aqui, só para quem vem para cá", completa a administradora Karina Barbosa do Nascimento, 28.

Para Fernando de Mello Franco, secretário municipal de Desenvolvimento Social, a demarcação de Zeis é uma questão de equidade social, e ser contrário a isso é indicativo de discriminação. "São Paulo é muito segregada social e territorialmente."

CASA X BIBLIOTECA

Segundo o secretário, exemplos como o conjunto habitacional Jardim Edite, na zona sul, e o projeto da operação urbana Água Branca, na zona oeste, são exemplos de acolhimento digno aliado a parques e serviços.

A Associação Vila Leopoldina, contrária à Zeis, reúne moradores dos novos condomínios da região e alega que o terreno, uma antiga garagem de ônibus, está contaminado. A entidade defende que no local sejam construídos um parque e uma biblioteca.

Para Durigan, a proposta é inconsistente. "Está contaminado para moradia, mas não para biblioteca?", questiona. Segundo ele, há favelas no bairro, cujos moradores poderiam ser atendidos pelo projeto, "acabando com esse tipo de submoradia na região".

Alexandra Swerts, 42, do conselho participativo da Lapa, afirma que há muita gente contrária às Zeis porque tem como referência "velhos padrões, como o do Cingapura" –projeto de verticalização de favelas implantado na capital na década de 1990.

Para ela, os moradores precisam se articular para garantir um novo modelo de habitação popular, moderno e que combine com o bairro.

"A gente tem a chance de construir algo inovador, que alie moradia, jardins, serviços de educação e de saúde. Quero um lugar aonde eu possa ir com meus filhos." 

Diversidade de perfis rompe segregação, diz urbanista

Prefeitura quer aumentar área para moradia popular

A mistura de perfis de moradores pode produzir uma "sociedade mais diversa e tolerante, em que uma classe se beneficia da outra", afirma Paula Santoro, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

"É muito importante a manutenção de áreas para habitação popular nas regiões já estruturadas da cidade, para rompermos com o padrão de segregação que coloca todos os pobres nas periferias, onde não há emprego nem serviços", explica Paula.

Na proposta de revisão da lei de zoneamento enviada pela prefeitura à Câmara, as Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social) tiveram um aumento territorial de 100% em relação à lei hoje vigente.

São áreas destinadas a habitação popular, dividas em três faixas: habitação de interesse social (HIS 1), para famílias com renda de até três salários mínimos (R$ 2.364), HIS 2 para renda de até seis (R$ 4.728) e habitação de moradia popular (HMP) para renda familiar até dez salários mínimos (R$ 7.880).

A demarcação desses territórios em bairros de classe média e média alta é objeto da campanha Nenhuma Zeis a Menos, capitaneada por movimentos de sem-teto e núcleos da FAU-USP e da Defensoria Pública do Estado.

DISPUTA

As Zeis são foco de polêmica por parte daqueles que não querem moradia popular perto de suas casas, entre os que tiveram seu próprio terreno demarcado como Zeis e entre os movimentos que batalham para garantir a concretização delas.

O advogado Fabio Araújo, 39, é um dos que tiveram o terreno de sua casa, em Itaquera (zona leste), apontado como Zona Mista de Interesse Social (ZMIS), que permite tanto habitação social como comércio. "Se a proposta é levar pobres para a região central, algo está errado: moro a 16 quilômetros do centro. Cadê a Zeis em Moema?", diz.

Santoro explica ainda que a ideia de que a região contemplada com Zeis sofre desvalorização é um mito. "Nenhum trabalho feito até hoje comprovou essa tese", diz.

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